11 de junho de 2007

X Japan: os veteranos deuses do j-rock

Você está prestes a conhecer uma das maiores lendas do rock japonês, senão a maior. Com Toshi no vocal, Hide e Pata nas guitarras, Taiji no baixo (que já foi substituído por Heath) e Yoshiki na bateria e no piano, o X Japan saiu do underground para alcançar o topo do mainstream japonês. Misturando heavy metal, baladas e música clássica sob uma atitude ora agressiva e polêmica, ora solidária e preocupada em promover campanhas de prevenção à AIDS e ajudar crianças com câncer, a banda conseguiu um público enorme e muito diversificado em seu continente de origem. Possui até fãs famosos, como o ex-guitarrista do Megadeth, Marty Friedman, e o ex-primeiro ministro do Japão, Junichiro Koizumi. Descubra nas próximas linhas a história deste fenômeno único na música.

INÍCIO DESPRETENSIOSO
Yoshiki e Toshi eram dois grandes amigos de infância. O sonho de Toshi era tornar-se médico, mas, na época de colégio, Yoshiki convenceu-o a seguir um caminho bem mais ousado para o Japão dos anos 80: viver de rock. Quando os dois formaram sua banda, então chamada Noise, em 1982, o Loudness já havia conquistado seu lugar ao sol na cena metal japonesa, mas o mercado ainda era muito conservador e vastamente dominado por cantores pop.

Em seu primeiro show, o repertório era formado principalmente por covers de Deep Purple, Iron Maiden, Led Zeppelin e, claro, Loudness. Com a ajuda de outros colegas de escola, o Noise apresentava-se em festas e pequenos eventos/festivais. Não demorou muito para a coisa ficar mais séria.

Rebatizada simplesmente como X, a banda criava músicas altamente influenciadas por hard rock e heavy/power metal. Com um som barulhento, comportamento violento e um visual descendente do glam de bandas como Kiss e Mötley Crüe (e que mais tarde se desenvolveria e viria a ser conhecido no Japão como visual kei), o objetivo do X era chocar a sociedade nipônica, o que era muito bem representado por seu eterno lema: psychedelic violence, crime of visual shock (violência psicodélica, crime do choque visual). Tudo isso fez com que o X obtivesse uma certa base de fãs underground. Porém, portas fecharam-se para o grupo. Bares rejeitavam seu show e gravadoras nem pensavam em oferecer-lhe um contrato. A duras penas, o X gravava demos em fitas K7 e VHS, distribuídas por seus próprios membros.

A única pessoa a acreditar no projeto de Yoshiki foi sua mãe, que vendeu sua loja de roupas e deu o dinheiro para o filho criar seu próprio selo musical, Extasy Records. Depois de várias trocas de membros, a adesão de Taiji, Pata e Hide ao time completou a formação clássica do X e o cenário estava preparado para o grande boom que estava por vir.

Em 1988, o grupo soltou seu primeiro lançamento oficial, o álbum Vanishing Vision. Já abrangendo desde músicas mais agressivas (como I’ll Kill You e Kurenai) até baladas ao piano (Alive e Un-finished), o vinil esgotou e foi parar na Oricon, o ranking dos discos mais vendidos do Japão. Era a primeira vez que uma banda independente conseguia tal feito. Uma segunda prensagem de Vanishing Vision foi lançada naquele mesmo ano e também esgotou, fazendo com que o álbum vendesse milhares de cópias. Finalmente, o potencial do X foi notado por uma grande gravadora e o grupo terminou 1988 de contrato assinado com a Sony Records.

DIRETO PARA O TOPO
O primeiro lançamento major foi o álbum Blue Blood, em 1989, que alcançou o 4º lugar na Oricon e viria a se tornar o disco mais marcante do grupo por conter faixas como Orgasm, Celebration, Week End, uma versão em japonês de Kurenai, o hino X e a linda balada Endless Rain. A banda passou a ser constantemente promovida no rádio e na televisão com entrevistas e performances ao vivo, garantindo vendas e turnês cada vez maiores.

Nesse período, os shows do X já tinham momentos tão tradicionais que não poderiam faltar em nenhuma apresentação, como os membros da banda balançando “sincronizadamente” suas cabeleiras longas e armadas durante Orgasm, o dramático solo de bateria de Yoshiki, a hora em que ele passeava pela platéia com um extintor de gelo seco e, o clímax dos shows, quando toda a platéia saltava cruzando os braços no ar para formar um X durante o refrão da música X.

O próximo álbum seria lançado em 1991. Jealousy estreou em primeiro lugar na Oricon, posição que seria alcançada por vários lançamentos seguintes do grupo. Nessa época, o X também começou a deixar o visual e a atitude mais light. Naquele mesmo ano, o X foi a primeira banda de rock a tocar no Kouhaku Utagasen, um dos mais tradicionais festivais musicais do Japão, que reúne os maiores sucessos do país todo dia 31 de dezembro, sendo sempre transmitido ao vivo pela televisão. Em 1992, mais um recorde: o X conseguiu vender todos os ingressos para shows em três dias consecutivos no Tokyo Dome (o maior estádio japonês a promover shows, com capacidade para 55 mil pessoas), algo nunca antes acontecido nem com os mais populares artistas nacionais e internacionais. Apresentações do X no Tokyo Dome no final de ano tornaram-se uma tradição da música japonesa.
Tudo parecia estar ótimo e a banda tinha uma vasta série de produtos de merchandising que incluía até camisinhas. No entanto, no final de 1992, o baixista Taiji deixou o X por ter se desentendido seriamente com Yoshiki. Após o lançamento de Blue Blood, Taiji começou a reclamar que algumas composições que ele teria escrito com Hide não entraram no álbum. Não obstante, o baixista tinha opiniões muito fortes sobre como compor e arranjar músicas, como administrar o X e também queria uma divisão mais igualitária dos lucros do grupo. Taiji confrontava a liderança de Yoshiki. Chegou a assumir em sua biografia que o baterista estava cansado de discutir com ele.

Sem baixista, a banda interrompeu suas atividades por alguns meses, exceto pela participação em um show especial com os grupos da Extasy Records. Mas não tardou muito até Heath chegar para completar o quinteto.

Nessa época, o X começou a se interessar pelo mercado ocidental. Assim, para evitar problemas de direitos autorais com a banda norte-americana X, o grupo japonês mudou seu nome para X Japan.
No ano de 1993, ocorreu o primeiro show com Heath, rapidamente bem aceito pelos fãs, e um lançamento especial, o mini-álbum Art Of Life, que contém apenas uma faixa homônima de cerca de 28 minutos de duração. Trata-se de uma complexa música de metal progressivo, uma das obras mais aclamadas do X. Devido ao seu nível de dificuldade técnica, Art Of Life foi executada ao vivo somente duas vezes, nos dias 30 e 31 de dezembro de 1993 no Tokyo Dome. A apresentação do dia 31 seria lançada em DVD somente dez anos depois.

Antes de 1993 acabar, o X Japan lançou o marcante single Tears. Uma das mais aclamadas baladas da banda, sua letra não é romântica, diferente do que se espera de uma música assim. Em Tears, Yoshiki escreveu seus sentimentos sobre seu pai, que ele, com apenas seis anos de idade, encontrou em casa morto por suicídio devido a problemas financeiros.

Entre 1994 e 1995, o X Japan diminuiria um pouco seu ritmo apenas lançando alguns singles, promovendo-os na televisão e realizando poucos shows. Os membros começaram a trabalhar em projetos solos. Toshi, Hide, Pata e Heath lançaram respectivamente os álbuns Made In Heaven, Hide Your Face, Pata e Heath. Yoshiki lançou o álbum Eternal Melody, com arranjos clássicos de músicas do X, fez parcerias com Roger Taylor (ex-Queen) no single Foreign Sand e Tetsuya Komuro (um dos mais famosos músicos do Japão) no single Eyes Of Venus, além de participar de Kiss My Ass, um tributo ao Kiss, no qual criou um arranjo erudito para a música Black Diamond.

Um novo álbum de estúdio foi finalmente lançado em 1996. Dahlia apresentou um X Japan extremamente diferente da banda da década de 80. Apesar de ter músicas mais agitadas como Scars, Rusty Nail e a faixa-título, o disco se concentra em baladas como Tears, Longing ~Togireta Melody~ e Forever Love. Possui até uma música com samplers eletrônicos, Drain. O X também estava bem mais calmo no palco e com um visual muito mais discreto, totalmente distante do visual kei do começo de carreira.

DISSOLUÇÃO E MORTE
Em 1997, o mundo dos fãs do X desabou. No dia 22 de setembro, o grupo anunciou em uma entrevista coletiva o fim de suas atividades, alegando que Toshi havia decidido deixar o X. Yoshiki compunha músicas pensando na voz única de Toshi e concluiu que a banda não seria a mesma sem ele. O vocalista não estava presente na coletiva. Na época, Toshi declarou em seu programa de rádio que não compareceu porque não fora informado sobre a entrevista e que, apesar de estar deixando o grupo, ainda mantinha amizade com Yoshiki e os outros membros.

Acredita-se que a razão pela qual Toshi teria deixado o X foram as experiências que ele teve na seita relacionada à terapia musical de um homem chamado Masaya, à qual ele teria aderido por influência de sua então recente esposa. Alguns fãs acreditam que Masaya fez uma verdadeira “lavagem cerebral” no cantor. De fato, Toshi assume que Masaya influenciou em sua decisão e refere-se a ele como seu salvador. Toshi afirma ainda que estaria cansado da vida de astro do rock. Yoshiki chegou a admitir que Hide e ele tiveram que ensinar Toshi a agir como roqueiro no palco e diante das câmeras.

O último show do X Japan ocorreu no Tokyo Dome em 31 de dezembro de 1997 e foi intitulado The Last Live. Ao final da última música da apresentação, Yoshiki levantou-se do piano e caminhou em direção a Toshi. Segundo o baterista, sua intenção era de esmurrar o amigo. Mas quando os dois se aproximaram, Yoshiki simplesmente o abraçou. A cena foi imortalizada na capa do single The Last Song.

Cada membro seguiu seu caminho em trabalhos solos ou outros projetos musicais, mas Yoshiki e Hide planejavam secretamente um retorno do X Japan, em 2000. Infelizmente, mais uma tragédia chocaria os fãs. Em 2 de maio de 1998, Hide, então com 33 anos de idade, foi encontrado morto em seu apartamento após uma noite de bebidas, enforcado com uma toalha amarrada na maçaneta da porta do banheiro. A versão oficial diz que foi um suicídio, embora sua razão seja desconhecida. Até onde se sabe, Hide não passava por problemas pessoais sérios e estava indo muito bem em sua carreira solo. Alguns fãs acham que a letra de sua música Pink Spider – lançada em single posteriormente naquele mesmo mês – seja a carta de suicídio de Hide. “Pink Spider” (“aranha cor-de-rosa”) foi o apelido dado ao músico por Yoshiki quando Hide apareceu com seus cabelos armados e pintados de rosa.

Ao funeral do guitarrista, cerca de 70 mil fãs compareceram, incluindo parentes, amigos, músicos e fãs, cuja maioria não conseguiu entrar no templo budista onde ocorreu a cerimônia, tumultuando as ruas locais com sua comoção. Fez-se necessário o uso de centenas de policiais e enfermeiras. A tristeza tomou conta da nação e três fãs tentaram se suicidar. Uma delas conseguiu. Tudo isso gerou repercussão internacional, chegando até mesmo a ser noticiado no brasileiro Jornal Nacional. E a tragédia parecia não ter fim. O guitarrista Hizumi, da banda de visual kei Madeth Gray’ll, morreu em um acidente de carro enquanto rumava para dar o último adeus ao ídolo.

O funeral de Hide marcou a última performance dos membros remanescentes do X Japan juntos, que tocaram Forever Love em homenagem ao amigo falecido. Era o fim definitivo de uma era para a música japonesa.

O DESTINO PÓS-X JAPAN
Toshi produziu alguns trabalhos solo e tocou em asilos e hospitais pela seita de Masaya e também em pequenas casas de shows. O cantor chegou a processar seu irmão, que cuidava de seu dinheiro e tentou impedi-lo de continuar a dá-lo a Masaya e seus caros programas de terapia musical. Esse episódio prejudicou imensamente a imagem pública de Toshi. A mídia japonesa chegou a anunciar sua aposentadoria em 2004, quando ele e Masaya foram acusados de abuso infantil. Toshi negou as acusações, afirmando que seu “salvador” na verdade ajudava as crianças, e continuou trabalhando como músico.

Hide, para dar continuidade à sua carreira solo iniciada em 1993, criou o projeto Hide With Spread Beaver com sua então banda de apoio. O vídeo de Pink Spider ganhou um prêmio de melhor clipe internacional no MTV Video Music Awards de 98. Hide ainda chegou a começar uma banda nos EUA com músicos ianques chamada Zilch, planejando inserir-se no mercado ocidental. Após sua morte, em maio de 1998, um museu foi construído em sua homenagem. O museu era mantido por sua família e foi fechado em 2006.

Pata formou o Dope Headz com Heath e I.N.A. (ex-Hide With Spread Beaver). Atualmente, lidera o Ra:In, seu projeto de rock instrumental. Com ele, já chegou a tocar na Europa e no fechamento do museu de Hide.

Heath, depois de tocar no Dope Headz com Pata, começou a discotecar e formou as bandas Rats e Lynx, além de dar continuidade à sua carreira solo.

Taiji, quando saiu do X, em 1992, chegou a tocar no Loudness e no D.T.R., mas as coisas não estavam dando muito certo. Ele entrou em depressão, divorciou-se e tentou suicidar-se duas vezes. Recuperado, lançou uma biografia – dando destaque especial a suas experiências no X – e hoje toca no Otokaze com sua irmã, além de organizar um retorno do D.T.R. Ao que tudo indica, não possui inimizade com o ex-líder do X.

Yoshiki, após a morte de Hide, passou por um longo período de depressão sem tocar ou compor. Afirmou que nunca mais tocaria bateria e passou a atuar mais como produtor. Alguns de seus trabalhos mais marcantes na área são Gauze (o primeiro álbum do Dir En Grey, de 1999) e os discos do recente sucesso coreano Trax. Continuou administrando seu selo Extasy Records, que já nos anos de X Japan revelou bandas como Luna Sea, Glay, Zi:Kill, Ladies Room, Youthquake e várias outras. Desde 1991, Yoshiki planejava um projeto para misturar todas as suas experiências musicais. O projeto foi nomeado Violet UK e teve o lançamento de seu primeiro álbum agendado para 2002. Depois de vários adiamentos, o disco ainda não foi lançado, mas em 2002 ocorreu o seu primeiro show, no qual Yoshiki atuou como pianista, contando com as participações da Tokyo City Philharmonic Orchestra (regida por Yoshiki durante a canção Seize The Light) e das cantoras Nicole Scherzinger e Daughter, integrantes do projeto. Uma das músicas do Violet UK marcará a estréia de Yoshiki em Hollywood: Blue Butterfly fará parte da trilha sonora de Catacombs, do produtor Gregg Hoffman (Jogos Mortais). Ainda em 2002, Yoshiki juntou-se ao Globe, grupo pop-eletrônico de seu amigo Tetsuya Komuro, mas separou-se deles em 2005. Recentemente, anunciou que formará uma nova banda para tentar conquistar o mercado mundial, reunindo celebridades do rock japonês como o cantor Gackt (ex-Malice Mizer) e o guitarrista Sugizo (ex-Luna Sea). Ao que parece, Yoshiki finalmente voltará a tocar bateria.

UM MITO ORIENTAL
Hoje em dia, ainda são lançadas coletâneas e são relançados discos do X no Japão, com vendas satisfatórias. O CD e DVD Best, reunindo os maiores hits do grupo, foi lançado nos EUA em 2004 pelo selo Tofu Records, uma subdivisão da Sony. Tudo isso porque a banda marcou a história da música japonesa e deixou seu legado, tornando-se referência para muitos músicos até os dias presentes – um verdadeiro mito. Até grupos ocidentais já prestaram sua homenagem ao X gravando covers. Entre eles estão Sonata Artica, Dragonforce e Anorexia Nervosa. Enfim, X Japan é um clássico insubstituível e deve ser ao menos conhecido por apreciadores de rock, metal e música em geral, tanto popular quanto erudita.


E agora eles estão voltando...